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BURNOUT, A DOENÇA QUE NÃO EXISTE!!!!

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A notícia já havia corrido o mundo em 24 de junho de 2019, quando um porta-voz da OMS anunciou que burnout passaria a ser considerado doença na CID 11. Quatro dias depois, outro porta-voz da mesma OMS desfez a informação, conforme notícia do portal Medscape: “Inclusão de burnout na CID-11: a mídia está errada, diz a OMS”. Esse porta-voz disse que “Houve um mal-entendido. “Burnout” não foi de fato reconhecido pela OMS como uma condição médica. Posto isto, a importância do bem-estar no local de trabalho é bem compreendida pela OMS”. (fonte: https://www.medscape.com/viewarticle/914077).

“Burnout” vai continuar na mesma categoria Z da CID 10, agora Q na CID 11, que não classifica doenças, mas “Problemas com a organização de seu modo de vida”.

Porém, mais importante:

– O “conceito” adotado pela OMS é exatamente o do MBI, Maslach Burnout Inventory, com o seu “tripé multidimensional da síndrome” – EE, DE e RP (exaustão emocional, despersonalização, realização profissional).

– O MBI é considerado sinônimo de burnout. (“Burnout é o que o MBI mede e o MBI mede o que é burnout” – Kristensen et al).

– O MBI é usado em 93% das pesquisas sobre burnout no mundo.

– O MBI é rigidamente protegido por direitos autorais e é necessário pagar para usá-lo. A atual detentora dos direitos autorais é a editora MindGarden Inc, da Califórnia.

– O MBI não está disponível para livre discussão nos meios científicos. Não é permitida a publicação e livre discussão sequer das tabelas desse questionário.

– Isso torna o “burnout”, indiretamente e em termos de pesquisa, a única “doença” da história sujeita ao pagamento de direitos autorais.

– O MBI “diagnostica” burnout em 100% das populações pesquisadas – o respondedor “ganha”, no mínimo, o diagnóstico de “burnout leve”, mesmo que indique não ter nenhum problema em sua vida laboral.

– O MBI pode rotular como “burnout” mais de 30 categorias diagnósticas da Psiquiatria.

– “Burnout” é uma alegada síndrome com inacreditáveis 140 sintomas; 132 segundo Schaufeli, identificamos mais 8.

– “Burnout” é uma noção mergulhada em confusão, segundo vários críticos e os próprios teóricos da área. (Não haveria como a opinião pública não acabar envolvida num alto grau de desinformação acerca da alegada doença).

Assim, a OMS fica devendo esclarecer para a opinião pública e para os profissionais da saúde:

1- A inclusão de uma noção mergulhada em confusão

2- Sujeita ao pagamento de direitos autorais para seu “diagnóstico”.

3- A inclusão de um critério diagnóstico que “diagnostica” burnout em 100% das populações pesquisadas.

4 – A inclusão de uma “síndrome” que rotula como “burnout” mais de 30 categorias diagnósticas da Psiquiatria.

5- Nomear como “síndrome” um enorme e confuso conjunto de 140 sintomas.

6. Adotar como ferramenta “diagnóstica” um questionário fechado para a livre discussão científica.

7. Entrar na “onda” do “hiperdiagnosis” e hipermedicalização da vida. (vide Frances, A. (2014). “Saving Normal: An Insider’s Revolt against Out-of-Control Psychiatric Diagnosis, DSM-5, Big Pharma, and the Medicalization of Ordinary Life”. New York, William Morrow & Company Ed.)

Schaufeli, um dos co-autores do MBI e principal teórico do burnout, publicou logo em seguida ao anúncio da OMS um artigo onde conclui: “a definição de burnout de Maslach e colegas é adotada [pela OMS], declarando implicitamente que o MBI deve ser usado para avaliar esse fenômeno ocupacional.” Nesse mesmo artigo, ele publica o seu próprio questionário, o BAT, também copyrighted e sujeito a pagamento, em euros…

(Schaufeli, W.S., Desart, S., & De Witte, H. (2020). Burnout Assessment Tool (BAT) —Development, Validity, and Reliability – Int. J. Environ. Res. Public Health, 17, 94-95).

O MBI é um questionário ingênuo e intelectualmente muito precário. Quando enviado pela primeira vez para uma editora, as autoras receberam o artigo de volta com uma nota: “Não publicamos psicologia pop” (“We don´t publish pop psychology”). (Maslach, C., & Jackson, S. E. (1984). Burnout in organizational settings. In S. Oskamp (Ed.). Applied Social Psychology Annual 5 (pp. 133-154). Beverly Hills, CA: Sage).

Com esses e mais algumas dezenas de argumentos, não há como não concluir: burnout é fake science

 

 

 

ESTEVAM VAZ DE LIMA – PSIQUIATRA E PSICANALISTA

Médico pela Escola Paulista de Medicina (UNIFESP); psiquiatra pela Associação Brasileira de Psiquiatria/Associação Médica Brasileira, psicanalista pela Sociedade Brasileira de Psicanálise/International Psychoanalytical Association, Médico Psiquiatra e Perito Oficial do Tribunal Regional de Trabalho da 2ª. Região; professor convidado do Curso de Formação de Juízes da EMATRA2; ex-aluno e professor convidado do Curso “Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho” do grupo SAMPO/ Instituto de Psiquiatria/FMUSP; assistente técnico da União em Psiquiatria.

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